segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

ABELHAS EM EXTINÇÃO: O COLAPSO SILENCIOSO QUE AMEAÇA À SEGURANÇA ALIMENTAR GLOBAL

O declínio das abelhas ameaça a biodiversidade e a produção de alimentos no mundo. Entenda as causas, impactos e soluções para essa crise ambiental global. 

 

O desaparecimento das abelhas tem se consolidado como uma das mais graves crises ambientais contemporâneas. Nas últimas décadas, pesquisadores, agricultores e organizações internacionais vêm alertando para o declínio acelerado das populações desses insetos, fundamentais para a manutenção da biodiversidade e para a produção de alimentos. O fenômeno, que atinge escala global, ameaça ecossistemas inteiros e coloca em risco a segurança alimentar mundial. 

 

A Crise Global da Polinização 

  

Atualmente, são conhecidas mais de 20 mil espécies de abelhas em todo o mundo, distribuídas nos mais diversos ecossistemas. Contudo, cerca de 25% dessas espécies estão sob risco de extinção, segundo estimativas recentes da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 2023). 

  

O declínio das colônias foi identificado inicialmente na América do Norte e na Europa, mas hoje é relatado em praticamente todos os continentes. O fenômeno ficou conhecido como Distúrbio de Colapso das Colônias (Colony Collapse Disorder – CCD), caracterizado pela súbita deserção das abelhas operárias, o que leva à morte de toda a colmeia em poucos dias. 

  

Nos Estados Unidos, o número de colmeias comerciais caiu de 6 milhões na década de 1940 para cerca de 2,8 milhões em 2023, conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Na União Europeia, observou-se redução média de 30% a 50% nas últimas décadas. No Brasil, embora faltem levantamentos nacionais consolidados, estudos regionais da Embrapa apontam perdas significativas em regiões agrícolas intensivas. 

  

A Relevância Ecológica e Econômica das Abelhas 

  

Mais do que produtoras de mel, as abelhas são os principais agentes polinizadores da natureza, sendo responsáveis pela fecundação de cerca de 75% das culturas agrícolas e 85% das plantas silvestres com flores, conforme a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). 

  

O serviço ecossistêmico da polinização é avaliado em mais de US$ 577 bilhões anuais, de acordo com o relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, 2023). Entre as culturas que dependem da polinização estão maçã, café, soja, maracujá, algodão, castanha-do-pará, amêndoas e uvas. 

  

Sem a atuação das abelhas, a produtividade agrícola sofreria quedas drásticas, impactando diretamente a economia, a biodiversidade e a oferta de alimentos para humanos e outros animais. 

  

Fatores que Ameaçam as Abelhas 

  

A redução das populações de abelhas resulta de uma combinação complexa de fatores ambientais, químicos e climáticos. Entre os principais estão: 

  

1. Uso de Agrotóxicos e Inseticidas Neonicotinoides 

  

O uso indiscriminado de pesticidas, especialmente os Neonicotinoides (como imidacloprido, clotianidina e tiametoxam), tem impacto comprovado sobre as abelhas. Esses compostos agem no sistema nervoso central dos insetos, desorientando-os e impedindo o retorno às colmeias. 

A União Europeia proibiu o uso dessas substâncias em 2018, após comprovação de seus efeitos letais sobre os polinizadores. No Brasil, no entanto, o uso continua autorizado, gerando preocupação entre pesquisadores e órgãos ambientais como o Ibama. 

  

2. Doenças e Parasitas 

  

Parasitas como o ácaro Varroa destructor e o fungo Nosema ceranae são amplamente associados à mortalidade das abelhas. O vírus da asa deformada (DWV), transmitido pelo ácaro, é especialmente devastador, afetando colônias de Apis mellifera. Estudos da Embrapa Meio Ambiente relatam o avanço dessas infecções em apiários brasileiros. 

  

3. Desmatamento e Perda de Habitat 

  

A destruição de habitats naturais compromete a disponibilidade de flores e locais de nidificação. A expansão agrícola e o desmatamento, sobretudo no Cerrado e na Amazônia, reduzem a diversidade floral e impactam diretamente as abelhas nativas sem ferrão (Meliponini), essenciais à regeneração das florestas tropicais. 

  

4. Monoculturas e Empobrecimento da Dieta 

  

As grandes plantações de uma única espécie, como soja e milho, geram períodos de escassez alimentar. A ausência de diversidade floral ao longo do ano provoca deficiências nutricionais, estresse fisiológico e aumento da mortalidade nas colmeias. 

  

5. Mudanças Climáticas 

  

As alterações climáticas globais afetam o ciclo de floração e a disponibilidade de alimento. O aumento das temperaturas e o regime irregular de chuvas desorganizam o comportamento das abelhas e reduzem sua capacidade de sobrevivência. 

Um estudo publicado na revista Science (2023) indica que populações de abelhas da América do Norte e Europa estão desaparecendo devido à incapacidade de adaptação a ambientes mais quentes. 

  

6. Poluição e Urbanização 

  

A poluição atmosférica interfere na orientação olfativa das abelhas, dificultando a localização de flores. A urbanização crescente reduz áreas verdes e fragmenta habitats, restringindo a sobrevivência de espécies polinizadoras.

  

A Situação das Abelhas no Brasil 

  

O Brasil abriga uma das maiores diversidades de abelhas do planeta, com centenas de espécies nativas sem ferrão, como jataí (Tetragonisca angustula), uruçu (Melipona scutellaris) e mandaguari (Scaptotrigona postica). Essas abelhas desempenham papel central na polinização de florestas tropicais e culturas agrícolas. 

  

Entretanto, a intensificação do uso de agrotóxicos e o desmatamento têm provocado mortes em massa. Em 2019, mais de 500 milhões de abelhas foram encontradas mortas em estados do Sul e Sudeste, conforme levantamento da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.). 

  

Frente a esse cenário, surgiram diversas mobilizações sociais e petições ambientais buscando sensibilizar governos e a população sobre a urgência da proteção dos polinizadores. 

Entre elas destacam-se: 

  

  • Greenpeace – “Salve as Abelhas”: campanha nacional que alerta para os impactos dos agrotóxicos e da crise climática na sobrevivência das abelhas, incentivando políticas públicas sustentáveis. 

  

  • Avaaz – “Direitos para as Abelhas sem Ferrão”: iniciativa internacional que busca reconhecer direitos legais para as abelhas nativas e sem ferrão, fundamentais à polinização nas florestas tropicais. 

  

  • Projeto “Sem Abelha Sem Alimento”: movimento brasileiro que reúne cientistas e cidadãos para promover educação ambiental e mobilização em defesa das abelhas. 


Essas ações mostram que a conservação das abelhas é também uma pauta cidadã, que depende da conscientização coletiva e da pressão popular por mudanças na legislação ambiental. 

  

Caminhos para a Conservação 

  

A mitigação dessa crise demanda ações conjuntas entre governo, sociedade civil, academia e setor produtivo. Entre as principais estratégias recomendadas estão: 

  

  • Adoção de práticas agroecológicas e orgânicas, que reduzam o uso de defensivos químicos; 

  • Reflorestamento e criação de corredores ecológicos com espécies nativas; 

  • Fomento à meliponicultura e apicultura sustentável, com assistência técnica e certificações ambientais; 

  • Monitoramento sistemático das colmeias, utilizando sensores e tecnologias de inteligência artificial; 

  • Educação ambiental voltada à valorização dos polinizadores; 

  • Apoio contínuo à pesquisa científica sobre saúde das abelhas e alternativas aos agrotóxicos. 

  

As abelhas constituem um pilar fundamental da vida na Terra. Sua extinção representa não apenas a perda de uma espécie, mas o colapso de um sistema ecológico essencial à produção de alimentos e à manutenção da biodiversidade. 

  

Proteger as abelhas é proteger o equilíbrio ambiental e a própria sobrevivência humana. A ciência já forneceu os alertas — cabe agora à sociedade agir, com políticas públicas eficazes, consumo consciente e valorização dos serviços ambientais que esses pequenos insetos prestam silenciosamente ao planeta. 


Ramon Ventura.

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